segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Quando pensei que não ouviria de você novamente, meu telefone toca desesperadamente ás três da madrugada, quando o silêncio, ouço a sua voz implorando abrigo, me levanto para te buscar naquela pocilga que chama de casa, lavo o meu rosto, escovo os dentes, e até me sinto menos atordoada, pois a sua voz realmente me deixou confusa em porque faria isso de novo por você, mas lembrei do que fez por mim quando nossos pais morreram, e isto, apenas isto, me deu mais um motivo plausível, além de ser minha irmã mais velha.
Chego em sua casa e a atmosfera esta terrivelmente sombria, e naquele momento eu não tenho a menor ideia do que teria acontecido desta vez. Cruzando o seu imenso quintal, antes florido agora cheio de quinquilharias e ferro velho, me perco nas minhas lembranças, recordando as brigas ferozes que você tinha com seu ex-marido, e em como sangrentas elas acabavam .. Eu encontrava seus filhos com os olhinhos espremidos de dor e encolhidos num canto do quarto escuro. Me lembrei de uma briga em especial, quando levei o menor para a minha casa, por ele ter presenciado a pior parte, e então no meio da noite, acordei com o menino parado junto a cabeceira de minha cama, com o olhar fixo no meu, sussurrando o que ele tinha ouvido na briga dos pais. Senti muito quando tivemos que interna-lo por seis meses depois do ocorrido com o colega de classe dele, onde ambos foram encontrados ensanguentados no banheiro, machucados pela briga, e seu filho segurando numa mão, uma tesoura e na outra .. parte da orelha do colega, meu sobrinho só tinha 8 anos.

Entro na sua varanda, e pela fresta da cortina vejo vocês três sentados na mesa, com a comida posta, pensei que estaria realmente louca, me convidando aos soluços ás três da manhã para um jantar?! Entro na sua casa, e logo percebo o meu engano, seus dois filhos choravam copiosamente enquanto você dizia para comerem tudo, pois seria a ultima refeição antes de partir, te pergunto o que aconteceu, e você apenas me diz que agora esta tudo bem, e pede se quero comer algo, apenas aceno com a cabeça que não, peço explicações, nisto você se levanta e pede para acompanha-la, passando pela sala percebo pelo ar abafado de cigarro que seu inconveniente ex-marido esta na poltrona virada de frente para a tv, evito esta repugnante visão. Chegando à porta do quarto, você para, e avisto uma enorme mala, você se vira e me pede com um olhar decidido se posso ficar com seus filhos, eu não entendendo te peço por que, então me entrega uma caderneta de banco com suas economias, e manda eu ir pedir explicações para seu ex-marido, depois de me passar a mala, me dirijo até a sala, e você atrás de mim apenas diz que precisa passar na delegacia antes. Vou em direção do seu ex, até me sentindo completamente perdida, claro que não deixaria as crianças com aquele porco imundo, mas eles não tinham que sair daqui assim, ele teria que sair daquela casa, casa dos meus pais, e para onde ela iria?! Então quando contorno a poltrona, a mala desliza da minha mão, sinto meu corpo arrepiar-se e eu a empalidecer, ela não teria feito isto, sim, amargamente ela teria. Ele estava completamente absorto num sangue coagulado, a poltrona tinha sido um lugar perfeito até porque ele nunca saia dela, nem mesmo para ir ao banheiro, no seu colo uma bacia com um resto de pipocas ensanguentadas, e em seus pés o que assustadoramente lhe faltava, a sua cabeça.