Nunca tinha me imaginado no seu velório, porque não fui nem dos meus próprios pais, lugar mórbido, pesado, carregado de tristezas, lembranças de um passado, que se torna no presente um tormento, um lamento intenso e irreparável, as pessoas por quem sentimos tanto, não voltam mais, o que foi dito e vivido naquele tempo, só você teve a sorte ou o desprazer de viver. Com você, eu senti os piores tombos que vida pode dar, que a ira abre ainda mais a cratera das confusões, e você fazia questão de me ver sofrer e dizia que era disso que gostava, então precisava te ver morto, ver seu corpo inerte e frio, onde não poderia nunca mais me segurar, e me fazer confundir o real, que desde quando você foi embora, não tenho encontrado sossego. Eu olhei tanto para você, escutei o tempo inteiro a sua voz cantando no meu ouvido, a rispidez das suas palavras me fazendo acordar para o seu mundo, me lembro quando fugimos da casa dos meus pais, você disse, que eu seria sua infinitamente, e que quando você se fosse sem mim, voltaria para reaver a minha alma, porque ela também te pertencia. Você era o meu demônio esculpido num corpo completamente irresistível, o grande problema de eu não conseguir fugir de você, era esse amor completamente doentio. Eu ainda o amava, mais mesmo assim, não consegui chorar a sua morte, talvez fosse melhor assim, eu sofreria, mais logo passaria, pois eu sei que não adianta ficar chorando.
Voltei para casa, me deitei na nossa cama, e me lembrei da ultima vez em que estivemos juntos, há dois meses atrás, onde você me prometeu mudança, uma nova mudança, e eu dizia, até quando vamos ter que fugir? e você sorrindo me beijava, não estamos fugindo, estamos conhecendo o mundo em que vivemos.